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Stanley Kubrick no MIS: um comentário rápido

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A exposição “Stanley Kubrick”, que teve seu último dia em São Paulo neste domingo, é uma aula de museologia. De como fazer uma exposição ao mesmo tempo bela, instigante, que permita mergulhar no universo de um artista.

Cartazes, peças de figurino, objetos de cena, cartas, fotografias, storyboards, livros com anotações, roteiros igualmente rabiscados, réplicas de cenários quase inteiros e inúmeros outros itens do universo de Kubrick, originais ou reproduzidos com perfeição, oferecem ao público a chance de mergulhar em ambientes criados exclusivamente para compor a atmosfera de cada filme da carreira desse diretor singular. Até dos projetos que não chegaram a sair do papel.

Assim, passei pelas trincheiras de “Glória Feita de Sangue”, conheci os sketches e storyboards detalhadíssimos de “Spartacus”, em um ambiente de calabouço – nada mais apropriado à saga de um escravo revolto –; olhei através das máscaras venezianas usadas em “De Olhos Bem Fechados”, com os olhos bem abertos!, e deitei-me na beliche de caserna de “Nascido Para Matar”. Não sem antes babar diante do capacete original do soldado Smoke, ao som contínuo de “Surfin’ Bird”.
1174548_683436448346226_1378331055_nMúsica boa, e à qual não se pode ficar indiferente, também é o que não faltou no bar Kurova, de “Laranja Mecânica”, onde o figurino de Alex me saltou aos olhos, à direita das manequins-sofás-esculturas. E uma brancura inimitável levou-me ao centro, talvez ao fim, de “2001 – Uma Odisseia no Espaço”, de onde pude me deleitar com trajes espaciais, fantasias de macaco e com o bebê do espaço, cuja cabeça tem uma secção para um mecanismo de luz. Quem assistiu sabe por quê. Tudo ao olhar frio de Hal 9000.

1555494_683436315012906_1448562166_n3778_683436598346211_1208191338_nQuem se incomoda com a alvura irrepreensível de “2001” – o que não foi absolutamente o meu caso, obviamente – pode gostar das superfícies negras polidas de Dr. Fantástico, de onde, aliás, tirei o termo “irrepreensível”, após ler uma recomendação de Kubrick para toda a equipe: usar calçados específicos para preservar o preto brilhante dos cenários de Dr. Strangelove. Não faltam repreensões e advertências nos recados de Kubrick às equipes. Não se chega à perfeição à toa. Outro destaque em Dr. Fantástico é o press-kit: em forma de uma pasta parda nos moldes das repartições de então, com a letra “A”, de “alerta”, na capa, abaixo do título “procedimentos para o caso de um ataque nuclear” (ou algo semelhante, corrijam-me se eu tiver feito confusão).
1544423_683436471679557_431243008_nEscuro e soturno demais? Quem sabe, então, o colorido dos figurinos de época de “Barry Lindon” não possa agradar? Ainda assim é um colorido sujo, pois são vestes de cunho realista. Kubrick nunca foi dado a fantasias e idealizações da história humana. Interessava-lhe investigar a nossa natureza.

O espaço de “O Iluminado” é um dos mais incríveis da exposição: construído com corredores estreitos, revestidos pelo papel de parede do Hotel Overlook, onde pequenas portas, numeradas, escondem tesouros como a máquina de escrever usada por Jack Torrence, os vestidos das duas meninas-fantasma, a claquete original do filme e um casaco igual ao de Danny, entre outros. Música tétrica e algumas portas trancadas, devidamente sinalizadas pelo aviso “Do not disturb”, ajudam a criar um clima no mínimo claustrofóbico. Na entrada da sala, um aviso dos expositores: “não recomendado para pessoas sensíveis”. Compreensível.
1451979_683436528346218_1675498728_nTalvez um conselho semelhante fosse necessário antes de “Lolita”. Um ambiente com música repetitiva, hipnótica, de tom ligeiramente infantil, do anos 50, dá o tom de uma sala de atmosfera absolutamente inebriante. Toda a parede é revestida por um tecido branco fino, como de cortina, porém mais próximo da trama de uma meia 3/4 estudantil. Duas telas grandes, no formato de uma reprodução gigante dos óculos em formato de coração da protagonista, exibem belíssimas cenas-chave do filme. Pôsteres e material de divulgação imperdíveis, assim como a correspondência trocada entre Kubrick e clérigos ou pastores alarmados com a filmagem de uma novela de tal sorte escandalosa, formam parte do rico mosaico. E muito mais. Por exemplo, uma carta carinhosa da atriz Sue Lyon, então não mais atriz, tampouco menina, a Stanley Kubrick. Saí apaixonado por Lolita. E ainda mais por Kubrick, o que não chega a ser uma novidade para ninguém.
1521653_683436291679575_1356437222_nResenha publicada no Facebook em 12 de janeiro de 2014, pouco depois da minha visita à Exposição Kubrick no MIS. O texto saiu com alguns errinhos, para não perder o calor do momento.