Lamento

Não vou me manifestar diretamente a respeito da nomeação do presidente de hoje ou do impedimento da presidente de ontem.
Apenas lamento.
Lamento que presidentes não terminem o mandato, justa ou injustamente, com uma frequência incômoda para uma democracia.
Lamento que o debate político seja tão carregado de ódio, rancor e maniqueísmo, a ponto de desautorizar o uso da palavra debate, em um momento em que tanta gente se interessa pelo assunto.
Lamento que a única ideia que a ampla maioria se agarre com paixão seja a negação de algo.
E que essa negação não seja a de um pensamento, proposta ou até de um pesadelo, mas de uma pessoa, o que não constitui propriamente uma ideia.
“Não sabemos o que queremos, mas sabemos o que não queremos” é muito pouco para uma democracia tão presunçosa e com tanto por fazer.

Um minuto de barulho por Lemmy

Em homenagem ao Lemmy, compartilho aqui (zine_tatá) um texto que escrevi e publiquei há quase cinco anos a convite do amigo e colega Fabiano Alcântara, o Bibi, que editava um caderno muito legal chamado BDZine no jornal Bom Dia de Sorocaba. Na ocasião o documentário Lemmy estreava no Brasil, exibido em primeira mão no festival de cinema in-edit, e o Motörhead havia tocado no país pouco antes pela turnê do disco “The World is Yours”.

Não gosto muito do estilo desse meu texto. Cheio de vícios do jornalismo que eu praticava então. Hoje eu faria uma edição de cima a baixo, mas o conteúdo eu mantenho.
Gosto do fim:
“O fato de Lemmy Kilmister,
com 65 anos, ainda seguir
a mesma linha “sexo, drogas
e rock’n’roll” de quando começou
a banda, permanecer vivo e
sentir prazer fazendo o mesmo
tipo de música é, para os fãs,um
sinal de que o rock vale a pena.”

Quem somos nós?

Nesta semana tive contato com três histórias envolvendo o mesmo assunto: a relação entre a arte e condições mentais que fogem ao padrão socialmente aceito e teoricamente predominante.

O que chamamos de deficiência, debilidade, doença ou necessidade especial – palavras que trocamos com frequência por conta da nossa dificuldade de entender e lidar com o significado que tentam abarcar – mantém uma íntima relação com formas pessoais e únicas de representação do mundo por meio de sons, formas cores ou palavras – aquilo que chamamos de arte.

Com frequência, condições consideradas desviantes conferem ao sujeito uma sensibilidade tão peculiar, que só a arte ou a ciência, que não deixa de ser uma prima bem vestida e educada da arte, permitem a esse indivíduo se relacionar com o mundo.

São aqueles momentos em que habitamos juntos um universo expansivo e imponderável.

Afinal, quem somos nós? Quem são eles? Por que nós estamos aqui; e eles, lá? O que nos impede de trocar de lugar? E o que é melhor?

Há inúmeros exemplos na história da humanidade. Seguem abaixo alguns links para as três histórias com as quais tive contato nesta semana e que me tocaram de forma especial.

1) The Cramps e Mutants tocam no California State Mental Hospital, em Napa, California, em 1978.

Vídeo:

The Cramps Live at Napa State Mental Hospital….Nuff Said
http://vimeo.com/1628397

Matéria da época:
NYRJuly_78

Fonte das informações (onde eu soube que isso aconteceu) e informações adicionais/Thanks to and some additional information:

https://www.facebook.com/pages/The-Cramps-at-Napa-State-Mental-Hospital/109431882413920

2) Nise da Silveira
Médica e psiquiatra brasileira que lutou contra técnicas como lobotomia e eletrochoques. Nise usou a arte para que doentes reatassem seus vínculos com a realidade, revolucionando a Psiquiatria praticada no país. Não achei na rede o documentário ao qual assisti parcialmente na TV, mas há algum material escrito a respeito dela disponível na internet. Vale procurar. Alguns links:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Nise_da_Silveira

https://www.youtube.com/watch?v=hrR2x33Afe8&index=4&list=PLGfZA0AS5ZqD0t13PU3-XLJBnexZ1Am1u

http://www.museuimagensdoinconsciente.org.br/pdfs/passetti.pdf

http://www.museuimagensdoinconsciente.org.br/html/historia.html

3) Banda punk com síndrome de Down, Pertti Kurikan Nimipäivät promete sacudir o Eurovision, na Áustria (são os caras do vídeo que ilustra este post )
https://crushemhifi.wordpress.com/2015/02/06/band-punk-com-sindrome-de-down-pertti-kurikan-nimipaivat-promete-sacudir-o-eurovision-na-austria/

Stanley Kubrick no MIS: um comentário rápido

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A exposição “Stanley Kubrick”, que teve seu último dia em São Paulo neste domingo, é uma aula de museologia. De como fazer uma exposição ao mesmo tempo bela, instigante, que permita mergulhar no universo de um artista.

Cartazes, peças de figurino, objetos de cena, cartas, fotografias, storyboards, livros com anotações, roteiros igualmente rabiscados, réplicas de cenários quase inteiros e inúmeros outros itens do universo de Kubrick, originais ou reproduzidos com perfeição, oferecem ao público a chance de mergulhar em ambientes criados exclusivamente para compor a atmosfera de cada filme da carreira desse diretor singular. Até dos projetos que não chegaram a sair do papel.

Assim, passei pelas trincheiras de “Glória Feita de Sangue”, conheci os sketches e storyboards detalhadíssimos de “Spartacus”, em um ambiente de calabouço – nada mais apropriado à saga de um escravo revolto –; olhei através das máscaras venezianas usadas em “De Olhos Bem Fechados”, com os olhos bem abertos!, e deitei-me na beliche de caserna de “Nascido Para Matar”. Não sem antes babar diante do capacete original do soldado Smoke, ao som contínuo de “Surfin’ Bird”.
1174548_683436448346226_1378331055_nMúsica boa, e à qual não se pode ficar indiferente, também é o que não faltou no bar Kurova, de “Laranja Mecânica”, onde o figurino de Alex me saltou aos olhos, à direita das manequins-sofás-esculturas. E uma brancura inimitável levou-me ao centro, talvez ao fim, de “2001 – Uma Odisseia no Espaço”, de onde pude me deleitar com trajes espaciais, fantasias de macaco e com o bebê do espaço, cuja cabeça tem uma secção para um mecanismo de luz. Quem assistiu sabe por quê. Tudo ao olhar frio de Hal 9000.

1555494_683436315012906_1448562166_n3778_683436598346211_1208191338_nQuem se incomoda com a alvura irrepreensível de “2001” – o que não foi absolutamente o meu caso, obviamente – pode gostar das superfícies negras polidas de Dr. Fantástico, de onde, aliás, tirei o termo “irrepreensível”, após ler uma recomendação de Kubrick para toda a equipe: usar calçados específicos para preservar o preto brilhante dos cenários de Dr. Strangelove. Não faltam repreensões e advertências nos recados de Kubrick às equipes. Não se chega à perfeição à toa. Outro destaque em Dr. Fantástico é o press-kit: em forma de uma pasta parda nos moldes das repartições de então, com a letra “A”, de “alerta”, na capa, abaixo do título “procedimentos para o caso de um ataque nuclear” (ou algo semelhante, corrijam-me se eu tiver feito confusão).
1544423_683436471679557_431243008_nEscuro e soturno demais? Quem sabe, então, o colorido dos figurinos de época de “Barry Lindon” não possa agradar? Ainda assim é um colorido sujo, pois são vestes de cunho realista. Kubrick nunca foi dado a fantasias e idealizações da história humana. Interessava-lhe investigar a nossa natureza.

O espaço de “O Iluminado” é um dos mais incríveis da exposição: construído com corredores estreitos, revestidos pelo papel de parede do Hotel Overlook, onde pequenas portas, numeradas, escondem tesouros como a máquina de escrever usada por Jack Torrence, os vestidos das duas meninas-fantasma, a claquete original do filme e um casaco igual ao de Danny, entre outros. Música tétrica e algumas portas trancadas, devidamente sinalizadas pelo aviso “Do not disturb”, ajudam a criar um clima no mínimo claustrofóbico. Na entrada da sala, um aviso dos expositores: “não recomendado para pessoas sensíveis”. Compreensível.
1451979_683436528346218_1675498728_nTalvez um conselho semelhante fosse necessário antes de “Lolita”. Um ambiente com música repetitiva, hipnótica, de tom ligeiramente infantil, do anos 50, dá o tom de uma sala de atmosfera absolutamente inebriante. Toda a parede é revestida por um tecido branco fino, como de cortina, porém mais próximo da trama de uma meia 3/4 estudantil. Duas telas grandes, no formato de uma reprodução gigante dos óculos em formato de coração da protagonista, exibem belíssimas cenas-chave do filme. Pôsteres e material de divulgação imperdíveis, assim como a correspondência trocada entre Kubrick e clérigos ou pastores alarmados com a filmagem de uma novela de tal sorte escandalosa, formam parte do rico mosaico. E muito mais. Por exemplo, uma carta carinhosa da atriz Sue Lyon, então não mais atriz, tampouco menina, a Stanley Kubrick. Saí apaixonado por Lolita. E ainda mais por Kubrick, o que não chega a ser uma novidade para ninguém.
1521653_683436291679575_1356437222_nResenha publicada no Facebook em 12 de janeiro de 2014, pouco depois da minha visita à Exposição Kubrick no MIS. O texto saiu com alguns errinhos, para não perder o calor do momento.

Meninos que choram

(Crônica escrita em 4 de julho de 2014, logo após o jogo entre Brasil e Colômbia, pelas quartas de final da Copa, sob forte emoção)

 

“Os homens também choram, ainda mais quando lutamos”, sentenciou James Rodrigues, camisa 10 da Colômbia, na entrevista após o jogo que sua seleção perdeu bravamente da brasileira por 2×1.

Isso porque pouco antes o Brasil havia se reencontrado com o choro de dias atrás. Só que dessa vez fazendo o adversário chorar, o que nos parece mais razoável, apenas por uma questão de hábito.

Tanto que uma das cenas mais marcantes da vitória do Brasil foi, ao menos para mim, a troca de camisas. Inspirador o empenho de D. Luiz, na tabelinha com D. Alves, em consolar James Rodrigues, que chorava como menino depois de jogar como homem.

Identificação da parte de um time acusado de chorão?

Identificação, apenas.

Cheguei a pensar se o cuidado dos brasileiros com o garoto não era apenas o de receber camisas menos encharcadas de lágrimas.

Afinal, há algo de profundamente irônico na troca de camisas entre um time que fica e outro que vai.

Se não, vejamos: após Brasil 2×1 Colômbia, David Luiz vestiu a 10 vermelha ao contrário, com o número no peito, e saudou a torcida como quem diz: “O James Rodrigues sou eu. Hoje o craque sou eu”.

Em tempo de papéis trocados, convém destrocar.

E D. Alves segurava a sua por cima do ombro, como quem volta da caça com algo para pôr à mesa, esquentar o corpo ou decorar a sala. Um escalpo.

Mas não. Nada disso. Ironia é coisa de jornalista. Os gestos foram todos muito sinceros. Assim como a pancada de David Luiz na bola do segundo gol brasileiro.

Apenas vontade não é o suficiente para ganhar uma Copa, sabemos. É preciso recursos para satisfazê-la. Mas ajuda muito.

 

Sabe do que eu mais gostei nestas eleições recém-encerradas?

(Texto publicado originalmente na minha página no Facebook, em 28 de outubro de 2014, à 1h27)

Um pouco de reflexão política naïf.

Quase um mea culpa.Sabe do que eu mais gostei nestas eleições recém-encerradas?

Do engajamento. Do envolvimento da população. Dos mais diversos segmentos e pelas mais variadas formas. Dos posts no Facebook ao incêndio na urna eletrônica, o que não faltou foi paixão. Em muitos momentos irritou, preocupou ou enojou, não há dúvida.

O debate irracional e a intolerância não são um bom alicerce para a democracia, especialmente quando contaminam eleitores, candidatos e imprensa.

Mas não foi só isso. Nem tudo é intolerância ou preconceito. Política envolve paixão, e paixão implica angústia, impaciência e, principalmente, inconformismo.

O inconformismo, desde que calibrado por noções básicas de civilidade, como o conceito de respeito ao outro, pode ser um bom ingrediente para os alicerces da democracia. Misturado ao engajamento real, não apenas virtual, e ao contato humano, à reflexão e à informação bem fundamentada.

Hoje mesmo ouvi no ônibus um garoto falar no celular que pensava em se filiar ao PSDB. Não acho ruim. Pelo contrário. Sem entrar no mérito dos partidos, sair da rede social e conhecer a política real pode ser uma ótima contribuição. Não gosta do governo atual e simpatiza com o PSDB? Filie-se ao PSDB, melhore o PSDB! Quer se envolver mais com o PT, faça o mesmo. Filie-se e melhore o PT. O mesmo vale para o PSOL, para a Rede, para o DEM, PSC, PCO, PSTU, PMDB, PV, PSB…

Não tem lá muita fé ou saco para a política partidária? Sem problemas, amigo, há inúmeras instâncias de participação democrática que não são partidárias. A associação do seu bairro, o Conseg (Conselho de Segurança, entre vários outros conselhos específicos), a reunião de condomínio do seu prédio, o seu sindicato e ene outras. E ONGs, movimentos sociais…

Encontre a sua praia e mergulhe. A política ganha com a sua participação. E você mais ainda.

O pleito acabou, mas muitos continuamos com fome de participação. É natural.

A política é uma atividade humana espontânea, não um ofício suspeito. Apesar de todo o estresse, exagero e destempero, trazê-la de volta ao seu lugar me parece uma ótima perspectiva para todos nós.

De volta a bordo!

Miséria pouca é bobagem!
Com este blog pretendo publicar, em uma plataforma mais perene que posts nas redes sociais ou impropérios em mesas de bar, textos, fotos e rabiscos de perfil mais jornalístico que literário. Jornalismo de opinião, predominantemente . Artigos, colunas e resenhas. Provavelmente vocês lerão mais textos de cultura, política e esporte.
E como os gêneros jornalístico e literário misturam-se com frequência, especialmente em textos opinativos, muitas das publicações de “Volte a bordo” já foram ou serão divulgadas também pelo Blog do Tatá. Sejam bem-vindos de volta a bordo, cazzo!

 

Ironia

A sociedade ou o mercado, a mídia, o que quer que seja – é profundamente irônica com aqueles que, como eu, desejam um mundo melhor, baseado em valores menos superficiais e fúteis, e aplaudem quando uma obra de ficção defende esses valores. Chega a ser cruel.

Há alguns anos, o filme Pequena Miss Sunshine, uma produção relativamente pequena para os padrões de Hollywood, vinda do mercado dito alternativo, fez merecido sucesso de público e crítica ao contar a história de uma graciosa e carismática menina que disputa um concurso de miss infantil sem, aparentemente, preencher os pré-requisitos para tanto.

O concurso de miss infantil é uma bizarrice que sexualiza crianças prematuramente e as expõe ao que há de pior na sociedade ocidental em geral, mas sobretudo na norte-americana: a competição baseada na aparência física, a partir de critérios de beleza fechados, excludentes e rigorosos.

E Pequena Miss Sunshine o retrata exatamente assim. E vai além. Mostra como uma criança, com sua graça que é única e não pode ser mensurada, pode desafiar e subverter uma instituição conservadora tão simbólica e, com isso, levar toda sua família, até então um ente completamente desencontrado e envergonhado de seu aparente fracasso, a assumir ela também a defesa do diferente, do único, do humano.

Com tudo isso amarrado em um bom roteiro, direção competente e excelente elenco, Miss Sunshine nos comoveu a todos. (Ao menos a mim.)

Isso em 2006/2007.

Hoje, 2013, Abigail Breslin, a atriz de Pequena Miss Sunshine, um libelo contra a ditadura da beleza e dos padrões de comportamento, é notícia novamente.

E agora é porque ela, que seguiu com sucesso sua carreira de atriz, cresceu e “está bem diferente da garotinha de 2013”.
Sim, ela cresceu e, aos 16 anos, é uma adolescente bonita. Para os padrões de beleza, caretice e burrice que Miss Sunshine tão bem desancou.

Evidentemente que ela não tem culpa de nada. Pelo contrário, merece toda a sorte do mundo, que acompanha com muito mais afinco as atrizes bonitas. Mas o tom frívolo, cretino, quase doentio em se tratando de uma adolescente ainda com jeito de criança, das notícias que dão conta de seu crescimento, deixam-me profundamente desgostoso.

Uma das matérias que me motivaram a escrever este texto na ocasião:

http://www.purepeople.com.br/noticia/abigail-breslin-de-pequena-miss-sunshine-aparece-alta-e-magra-em-premiere_a3167/1#lt_source=external,manual